O número das facas – Suzy no arremesso, Mark na fronteira da morte – é o ponto alto das exibições no Bolero Circus. A cada lançamento, Suzy, esfusiante, emite um estrídulo ih!, que, a contrario das trovoadas, antecede o raio. E o respeitável público oh! escondido atrás das mãos, sente a lâmina cravar-se profunda no tabuado, rés a Mark, corpo colado ao alvo.
A cada expiração de alívio, novo pesadelo: Ih!, o arrepio, a faca, o respeitável público oh!, a morte a bordejar Mark. E logo o alívio. O breve alívio que antecede oh!, ih!, o arrepio.
Suzy e Mark fazem parelha há anos, no circo e na vida. Frios profissionais, aprenderam a não transportar para cena os dramas caseiros. Mas como pode ela esquecer nesta noite, faca a saltar-lhe da mão lívida, como pode ela esquecer nesta noite, faca a saltar-lhe da mão trémula, o envolvimento dele com a trapezista! A resposta, objectiva, está na cercadura letal que desenha o contorno quase completo de Mark grudado à superfície do alvo, braços estendidos, pés afastados.
Falta uma faca para que o número termine, a música deflagre. Resta o arremesso derradeiro, o do remate, a faca que há-de selar a junção interior das duas coxas, lâmina apontada ao exacto ponto, abaixo da breve proeminência que o sexo naturalmente alimenta nas exíguas vestes de Mark.
Respiração suspensa, ouve-se um rufo, um aflito rufo de tambor.
In o homem que, edições gatopardo, págs 10,11, Augusto Baptista
Um gajo já não pode ser artista....tenho de esconder as facas em casa........heheheheheheehehehe
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