MOSTRA AS
COXAS, MEU AMOR
Passo-me com o modo como te sentas à borda do lago nas tardes de sol e –
chama-me velho tolo – fico vidrado com o que consigo adivinhar do torneado das
tuas coxas entre a folhagem. Confesso que nessa hora maldigo as vegetais
cortinas que imprecisam a visão de ti, a tornam insuficiente, me consentem uma
avaliação frouxa, um incompleto desfrute, eu ávido do sensitivo gozo de te
perscrutar, te percorrer por baixo ao pormenor.
E é adivinhação o exercício a que me entrego, incendiado de lascivos
pensamentos, viagem que me ensandece, com partida nas tuas coxas, volto a
insistir. Às vezes, confesso, não chego a perceber se nessa
tua ocultação, nesse teu recato por detrás da folhagem, não haverá aí da tua
parte uma propositada castigação do meu embevecido deslumbre pela tua natureza
feminina, pelo que se expressa no entremeio doce, misterioso, das tuas coxas.
Peço-te uma angélica distracção, quando sentada: soergue meu amor um pouco
a coxa – uma delas, tanto faz –
cria um leve desvão, um vazio pequenino, negro, que tudo deixe
adivinhar, nada perceber, e, no auge da suspeição, da suspensão, não mexas, não
mudes de posição, ou põe-te um bocadinho mais a jeito, para eu beber em ti o
veneno da visão que busco e que mereço.
Estas confissões de velho tolo, que nunca chegarão ao teu conhecimento,
segredo meu, encerram a esperança de um dia cederes a esta incontida tentação
de te romper, penetrar a intimidade, te possuir nos olhos, viajar pelas sombras
e esplendores de ti, mergulhar nos insondávei mistérios que guardas onde eu não
os posso enxergar, nos negros imos das tuas coxas, volto a insistir, e nos
fluidos livres, que nelas navegam nas profundezas, nesse abismo fiável,
aquietante, lugar de abrigo, porto seguro, colo bom, regaço nesta selva de
ameaças, onde guardas, sei lá, a extrema unção de um ventre primordial,
regenerado. Um sorriso. Talvez o Éden.
Por aqui me retenho, sem
mais dizer, agradecido aos deuses por me terem dado o dom de ver. E por te
terem feito assim divina, feminina, terem modelado tão perfeitamente as tuas
apreciadas, as tuas lendárias coxas, volto a insisitr. Te terem feito rã.
Augusto Baptista