Enigma 2243
Pior do que de ti dizerem frito e cozido seria dizerem estufado e grelhado?
Augusto Baptista
sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
MOSTRA AS
COXAS, MEU AMOR
Passo-me com o modo como te sentas à borda do lago nas tardes de sol e –
chama-me velho tolo – fico vidrado com o que consigo adivinhar do torneado das
tuas coxas entre a folhagem. Confesso que nessa hora maldigo as vegetais
cortinas que imprecisam a visão de ti, a tornam insuficiente, me consentem uma
avaliação frouxa, um incompleto desfrute, eu ávido do sensitivo gozo de te
perscrutar, te percorrer por baixo ao pormenor.
E é adivinhação o exercício a que me entrego, incendiado de lascivos
pensamentos, viagem que me ensandece, com partida nas tuas coxas, volto a
insistir. Às vezes, confesso, não chego a perceber se nessa
tua ocultação, nesse teu recato por detrás da folhagem, não haverá aí da tua
parte uma propositada castigação do meu embevecido deslumbre pela tua natureza
feminina, pelo que se expressa no entremeio doce, misterioso, das tuas coxas.
Peço-te uma angélica distracção, quando sentada: soergue meu amor um pouco
a coxa – uma delas, tanto faz –
cria um leve desvão, um vazio pequenino, negro, que tudo deixe
adivinhar, nada perceber, e, no auge da suspeição, da suspensão, não mexas, não
mudes de posição, ou põe-te um bocadinho mais a jeito, para eu beber em ti o
veneno da visão que busco e que mereço.
Estas confissões de velho tolo, que nunca chegarão ao teu conhecimento,
segredo meu, encerram a esperança de um dia cederes a esta incontida tentação
de te romper, penetrar a intimidade, te possuir nos olhos, viajar pelas sombras
e esplendores de ti, mergulhar nos insondávei mistérios que guardas onde eu não
os posso enxergar, nos negros imos das tuas coxas, volto a insistir, e nos
fluidos livres, que nelas navegam nas profundezas, nesse abismo fiável,
aquietante, lugar de abrigo, porto seguro, colo bom, regaço nesta selva de
ameaças, onde guardas, sei lá, a extrema unção de um ventre primordial,
regenerado. Um sorriso. Talvez o Éden.
Por aqui me retenho, sem
mais dizer, agradecido aos deuses por me terem dado o dom de ver. E por te
terem feito assim divina, feminina, terem modelado tão perfeitamente as tuas
apreciadas, as tuas lendárias coxas, volto a insisitr. Te terem feito rã.
Augusto Baptista
terça-feira, 28 de janeiro de 2020
SOMBRAS
Era um senhor sombrio de quem ninguém sabia o nome, a origem, o que fazia, que ao passar suscitava a dúvida se ia, vinha, de onde para onde, a fazer o quê, se era ele ou a sombra dele, vestida com a roupa dele, a andar com o andar dele, o chapéu dele, ou se essa sombra seria a sombra de uma outra sombra, de uma outra sombra, de uma outra sombra dele.
Augusto Baptista
segunda-feira, 27 de janeiro de 2020
domingo, 26 de janeiro de 2020
sábado, 25 de janeiro de 2020
QUESTÃO DE GÉNERO
Encontro de rua, troca de olhares, curtas palavras, não tarda são um par na penumbra do quarto de hotel.
Do vulto sentado no sofá a um canto, a voz:
– Despe-te!
Cumprida a nudez, a voz:
– Vira-te de lado!
Virou-se de lado.
– Do outro!
Virou-se do outro.
– De trás!
Virou-se de trás.
– De frente!
Virou-se de frente.
– Veste-te!
Em silêncio, levantou-se, saiu. Agradara-lhe a obediência, mas o corpo não era o seu género.
Augusto Baptista
sexta-feira, 24 de janeiro de 2020
quinta-feira, 23 de janeiro de 2020
quarta-feira, 22 de janeiro de 2020
terça-feira, 21 de janeiro de 2020
NEM TUDO LEMBRA
Os jornais avisaram: seria a manhã mais fria do século. Cauteloso, enroupou-se como nunca: pijama, camisolas, casacão, sobretudo, cachecol, calça grossa, luvas, gorro. Saiu, bateu a porta.
Mal pisa a estrada, um fogo gelado na sola dos pés lembra-lhe o esquecimento. A chave? Sem recuo, decide correr assim até ao emprego.
No percurso dolorido cruza-se com um vulto apardaçado. A bater o dente, diz bom dia. Em resposta, um grunhido, logo vidrado, logo caído, logo partido em estilhaços no chão gelado. Ele aos saltinhos, com medo de se ferir nos pés descalços.
Augusto Baptista
domingo, 19 de janeiro de 2020
MÃE
Se acaso teimares em não regressar, aviso: vou procurar-te. E na insistente busca de ti, pergunta aqui, além, acabarei por te encontrar: o mundo é pequeno! Então, muito a sério, previno, dedo em riste como me fazias, vou perguntar-te o porquê da tua partida sem mais me dares notícias, faz tempo, faz anos, era noite e chovia.
Augusto Baptista
sexta-feira, 17 de janeiro de 2020
AGRAFIA
Não consigo escrever. Tento, retento, nada sou capaz de passar
a papel. E como queria eu escrever sobre a aflição deste ambiente fechado,
vencer a angústia deste remoto silêncio, romper o bafo destas paredes lodosas, deste
chão que escorrega, mas por mais que insista, teime, procure na escuridão deste quarto de hotel sem estrelas, sem pena, caneta, papel, sou incapaz de responder ao ímpeto irreprimível de escrever.
Augusto Baptista
Augusto Baptista
quarta-feira, 15 de janeiro de 2020
segunda-feira, 13 de janeiro de 2020
quarta-feira, 8 de janeiro de 2020
terça-feira, 7 de janeiro de 2020
domingo, 5 de janeiro de 2020
sexta-feira, 3 de janeiro de 2020
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