Humor ao alto CXXI
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias
Era um tipo terrivelmente supersticioso. Perdia a cabeça só de pensar certas coisas.
Teve uma infância feliz, cresceu sem traumas. Mas, adulto, começou a dar-lhe aquilo. Recorreu a psiquiatras, psicanalistas. Fez terapia regressiva, exorcismos, acupunctura. Meteu-se ou meteram-no, nos chás e beberagens, astrólogos, macumba, candomblé, djambi, videntes e nos bruxedos mais clássicos.
Em vão! Até ao fim da vida, persistiu naqueles pavores supersticiosos, fechado em negativas epilépticas, transido de medos parvos. E, em sexta-feira 13, nunca foi capaz — entre outras recusas piegas — de meter a cabeça debaixo da pata do elefante ou, pasme-se!, de dar um beijo, um simples beijinho, na boca do tubarão.
O caso só não teve consequências laborais porque o dono do circo era irmão do domador.
In Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 56, Campo das Letras, Augusto Baptista
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias
Os dias passava-os à mesa. As noites também. Para ele, viver era comer. Naturalmente, inchou de engorduramento. A barriga cresceu-lhe, engoliu o peito, o pescoço, a cara. Os braços ficaram reduzidos a duas mãos sapudas. Para baixo, só barriga e pés.
A bem dizer, era enxúndias com boca. Um dia, exagerou. Entretido nas papas de sarrabulho, no cozido, sôfrego na feijoada com orelheira, rebentou. Compressão excessiva de gases com entupimento da válvula de segurança, segundo o relatório técnico dos bombeiros.
A deflagração ouviu-se longe. E de longe veio gente ver a cratera, os estragos: vidros partidos, telhados pelos ares, paredes sujas de papas, feijão, orelheira. Mas o pior ainda era o cheiro gordurento daquela devassa intestinal. Uma esterqueira. Um nojo. Uma vergonha, mesmo no centro escorregadio da vila.
Os familiares assumiram as culpas. Hipotecaram-se na limpeza, até ao último feijão. Gastaram fortunas. Desinfecções, garrafões de perfume francês, água de rosas. E, sempre, reincidente, um fedor em crescendo. Pivete assanhado de papas azedadas, que a mais leve réstia de sol desentranhava das pedras, inclemente. A alma do falecido? Logo, mais limpezas. Mais despesas.
Em consequência, houve que cortar à boca. Radicalmente. Semanas depois, os filhos, mirrados, finaram. Pele e osso, tísicos, mulher, netos, primos, tios, despediram-se. Todos. Mas não passaram pela vergonha de na vila se dizer que os do gordo eram porcos.
In Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 70/71, Campo das Letras, Augusto Baptista
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Urgência literária
Livro! Um livro! Um livro na estante, já! Um livro, que o gato salta ao canário!
In O caçador de luas, pág. 65, Augusto Baptista
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
O Homem que caçou a deusa
Levou a arma à cara. Cano virado para o céu, um tiro. A criatura, cega ao rumo que levava, caiu.
— Busca, Flecha! — ordenou o caçador.
A perdigueira, a abanar o rabo, fez-se ao monte. Breve regresso: na boca, Diana, morna ainda.
In O homem que, pág. 30, Augusto Baptista
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segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Intriga aquosa
Envolto em águas turvas permanece o caso do aguarelista água-oxigenado, Aquário de signo, aparecido numas águas-furtadas, a boiar. Tudo por causa de uma aguarela de água-chilra.
Num desespero de aguardente, terá ele regado a aguada com aguarrás, terá mergulhado depois na tina de água-forte?
In O Caçador de luas, pág. 94, Augusto Baptista
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Carta na manga
No que dizem ser o visionamento do filme derradeiro, entre relâmpagos de recordações, rostos, episódios, memórias, perpassa a frase: O tabaco rouba trinta anos de vida. O moribundo faz pause, soergue-se, tússico (à volta a família, na impaciência do desenlace): — É só para vos avisar que resolvi deixar de fumar!
Tão logo se cala, a grafonola arranha um fado. De Coimbra.
In O caçador de Luas, pág. 86, Augusto Baptista
Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias
Acordou de má catadura: — Ó mulher, deixa-me a cabeça em paz! Cata o rapaz!
In Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 65, Augusto Baptista
sexta-feira, 3 de dezembro de 2010
Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias
A morte é um facto horizontal.
In Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 75, Campo das Letras, Augusto Baptista
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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias
Aquela história fazia-a chorar: tinha a letra muito miudinha.
In Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 63, Campo das Letras, Augusto Baptista
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