segunda-feira, 26 de julho de 2010
O Homem que não apagou o fogo
quarta-feira, 21 de julho de 2010
domingo, 18 de julho de 2010
Pintarroxo
Surucucu
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág 44, Augusto Baptista
segunda-feira, 12 de julho de 2010
História de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias
sexta-feira, 9 de julho de 2010
Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias
quinta-feira, 8 de julho de 2010
O homem que congelou
Vestia-se de escuro, conjugações que articulavam preto-brilho e preto-baço, a estabelecer uma harmonia negra que revelava inesperado vivo escarlate, a cor dos lábios. As sobrancelhas tinham presença, sob uma franja de corte rectilíneo, desenhada na fronte de curva adocicada. Esguio, o rosto, a pele clara, e os olhos não sobressaíam nem se apagavam, eram presença que se olhava de passagem, e se retinha: uma sombra iluminada.
E havia o busto, desenho calmo, natural, a aflorar discreto. Sob o vestido, nudez macia, adivinhada. Nos pés suaves, sapato de leve inclinação embalava o conjunto num enleio.
Demorada lentidão, ela passando, num impulso imperativo ele pensa interceptá-la, perguntar-lhe baixinho as horas. Mas, tudo tão rápido, mal teve tempo de a ver passar.
In o homem que, pág. 19, Augusto Baptista
sexta-feira, 2 de julho de 2010
O homem que murchou
Os verdes anos passou-os na cidade fechado em gabinetes, estufas alcatifadas, submetido a regras, horas certas, gravata. Tudo lúcido, exacto. Sem Sol. Depois a reforma, o campo, os pássaros, árvores, a contemplação por detrás da cortina para não recozer a pele, as mãos sobre a bengala, o tempo a sobejar.
Às vezes a família vinha visitá-lo, olhos de relógio. Conversa, a de sempre, quase só silêncios. Na hora da despedida, uma vez não se conteve, falou. Falou e disse, a olhar os campos mirrados no bafo da tarde, hoje estou triste, disse, numa poética campesina que ninguém ali alcançou, sequer procurou compreender, disse, fixo nos frutos engelhados, tontos, hoje estou triste como um tomate.
in o homem que, pág. 39 Augusto Baptista
O homem que perdeu o Pai Natal
Ainda no berço, conheci-o. Lembrança difusa, odor a canela. Depois, miúdo, recordo-o num hálito quente e nítido de bacalhau e batatas, pés de tronchuda, a boca da panela, sempre a maior, baforadas densas a enevoarem a cozinha. Iluminada pela toalha de linho da avó, a mesa farta: bilharacos, rabanadas, uvas passas. E nozes, pinhões, apesar do preço.
O tempo da família grande.
Todos apareciam. E ele não faltava. Chegava tarde, ceia alta, por volta da hora explosiva do espumante, rolhas no tecto em ricochetes cegos. No auge do alvoroço, pam! Todo o mundo, pam!, transido, se calava. As pancadas, pam!, as três pancadas com a acha na grelha do fogão a lenha. O sinal.
Recuperada a respiração, algazarra, saltávamos aos brinquedos. No frenesim do que era meu, teu, por ali andaria ainda ele na cozinha, embora com rigor e em verdade nunca nos tenhamos cruzado, o tenha visto.
Anos mais tarde, a mudança para a cidade, um sem-regresso ao aconchego da velha casa. E a revelação cruel de todo o embuste.
Longo luto.
Um dia, homem feito, às compras num centro comercial, de repente, em carne e osso, à minha frente: o patriarca da infância. As mesmas barbas brancas!
Não mais larguei o meu herói. Deslumbrada sombra, segui-o para todo o lado, horas a fio. Até que às tantas ele se aproximou e, baixinho, barbas coladas ao ouvido, me disse para o esperar mais adiante, ao dobrar da esquina. Que ia só ali, e vinha já.
in o homem que, pág. 8, Augusto Baptista