Humor ao alto LXXI
segunda-feira, 30 de agosto de 2010
Quebra-luz
Dono da casa, chinelo na mão; no candeeiro, o moscardo.
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 41, Augusto Baptista
Salamandra
Nome vulgar de batráquios urodelos, extensível a uma espécie, muito comum em Portugal, de fogão.
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 43, Augusto Baptista
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Quantíssima tormenta
No céu da tarde de repente uma nuvem negra rompe-se em formas abstractas, fragmentos que se reúnem numa adelgaçada barbatana, logo num corpo aéreo. E o tubarão evidente que dali nasce tem à perna uma prole de vinte descendentes, lixosos, negros como o pai.
Cúmulos-nimbos em densas matilhas faíscam lumes com faunos rabudos, torsos agorilados, gargantas escancaradas. Mais acima, asas tímidas, farrapos nebulosos com garras. Além uma serpente evola de Leste a Oeste, num chicoteio espiral que envolve em reboliço a turba. Ah, o rei dos animais à caça, juba hirsuta e rabo agitado, em rodopio uma manada de gnus, aí uns mil, a ocupar a abóbada celeste quase toda.
O tubarão reúne a prole e posta-se à frente, defensivo. Os faunos assediam a serpente alada. Um jacto de veneno vaporoso salta da barriga do réptil. Luta de titãs, os bichos se ensarilham num ardor de tempestade. Ribombam furacões, se agoniam trovões, os céus ensandecem-se em relâmpagos.
No chão, um casal de patos observa ansioso a insânia aérea, na expectativa de ver encher-se, enfim, a lagoa que o estio severo mirrara tão sequiosamente.
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 39, Augusto Baptista
Xirimbambada
A matilha de pardais salta do fundo do lago e, em cavalgada húmida, rasga galerias nos muros. Um bando de peixes alvorota-se dos montes a escorregar pelas ladeiras, alaparda-se no ninho. Os lobos, cardume sequioso, trepam as árvores em busca de comida. Só os porcos, extensa vara na xirimbambada, parecem bichos ajuizados, sem poderem acreditar no que os seus ouvidos cheiram, seus olhos escutam, seus narizes vêem.
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 52, Augusto Baptista
quarta-feira, 25 de agosto de 2010
Raposa
Desculpem, não é raposa, é raposã. O animal tem rabo, não?!
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, Augusto Baptista
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terça-feira, 24 de agosto de 2010
Rouxinol
Só à noite se pode entender um canto assim.
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 43, Augusto Baptista
segunda-feira, 23 de agosto de 2010
Rã
Senhores da Gramática, então admite-se sobrecarregar batráquio saltador com til?!
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 42, Augusto Baptista
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
Morcegos
Os morcegos são muito liberais na educação dos filhos: miudinhos e já os deixam sair à noite.
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 31, Augusto Baptista
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Melómanos
Amantes da música, os grilos são melómanos; já os corvos são grilómanos.
In Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág.31, Augusto Baptista
Ratazana
Um excesso verbal: bastaria nomear o bicho, sem referir a cauda, a zana.
in Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 43, Augusto Baptista
terça-feira, 17 de agosto de 2010
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Zurros
De repente, surdiu um vento suão que ensandeceu os bichos. E as galinhas começaram aos coaxos. Sobressaltados, os cães desalmaram-se em relinchos, os porcos em ão aõs desesperados, rãs aos cacarejos, cavalos a grunhir.
— Está tudo doido! — disse de si para si o lavrador.
Tanto bastou para que o vento amainasse, a ordem se restabelecesse: cacarejantes as galinhas, os cavalos aos relinchos, os cães a ladrar, os patos a grasnar, os porcos a grunhir, as rãs aos coaxos.
Enorme banzé!
Incomodado, o lavrador foi-se sem dizer palavra, a mastigar chilreios, misto de rugidos e grugulejos, espécie de uns zurros.
in Elucidário Oblíquo do Reino dos Bichos, pág. 54, Augusto Baptista
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
O homem que comprou uma esferográfica
Comprou uma útil esferográfica, modelo capaz de fazer a tradução dos seus escritos, na hora exacta em que os produz. Basta regular a língua pretendida, entre noventa e cinco opções, manuscrever a pensar em Português, por exemplo, e o instrumento faz o resto.
Terminada a tinta, claro, as capacidades do objecto definham, universo da tradução estritamente confinado às línguas mortas.
in o homem que, pág. 22, Augusto Baptista
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
O homem que alimenta a esperança
Por recomendação das vizinhas, desde miúdo a mãe lhe untou a débil cabeleira com petróleo: Faz muito bem à seborreia, Aurorinha! E reforça o pêlo! Anos de viscosa terapia transformaram-lhe a cabeça num tubérculo hirsuto.
Hora de crise, ao saber do caso as petrolíferas prospectaram e a extracção foi iniciada em clima de euforia.
A festa não tardou a exaurir. O país tem agora muita fé num projecto de energia eólica, no alto da careca.
In o homem que, pág 42, Augusto Baptista
terça-feira, 10 de agosto de 2010
O homem que preserva velhos hábitos
Após os funerais tem por costume chegar a casa e logo se livrar da gravata preta, que dependura no armário; do fato, guardado no gavetão; dos sapatos, recolhidos por debaixo da cama. Só depois de meticulosamente limpo, no estojo de veludo preto, recata o revólver.
In o homem que, pág. 37, Augusto Baptista
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
O homem que interpreta os campos
Quem olhar os campos em atento devagar, não lhes adivinha o futuro líquido, feitos vinho, aguardente, jeropiga, espumante, rum. E, dentro da paisagem embriagada, quem como ele capaz de prever, no sunâmbulo podador, a figura turva que derreia agora a cabeça na mesa do tasco, pagando enfim o tributo à terra?
In o homem que, pág. 60, Augusto Baptista
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
O homem que quis ser lobo
Demandou as serranias a balir. Logo um lobo acolheu o chamado e o engoliu. Afeito à nova pele, saltou para o meio da alcateia. Decidido a discutir a liderança.
In o homem que, pág 44, Augusto Baptista
quinta-feira, 5 de agosto de 2010
O homem que sopra música pelos dentes
Chegado ao dentista, de pronto denuncia o orifício entre os incisivos cariados. Mas impõe que no afã do tratamento, no denodo da oclusão lhe não barrem o ar. O ar soprado pelo furinho, ar que se faz música, quando ele beija a harmónica.
In o homem que, pág. 16, Augusto Baptista
terça-feira, 3 de agosto de 2010
Histórias de coisa nenhuma
Quem inventou o til era seguramente marinheiro.
in Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 31, Augusto Baptista
Histórias de coisa nenhuma
Levou a carabina à cara. Apontou. Premiu o gatilho, uma, outra vez. Dois tiros secos. Sorriu. Com o estrondo característico, o mosquito esborrachou-se na alcatifa.
in Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 38, Augusto Baptista
Histórias de coisa nenhuma
Peixe-pau não é carapau. Peixe-xuxo não é cachucho. Peixe mau não é pimpão. Frito com arroz de feijão.
in Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 53, Augusto Baptista
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