Cirandou pelas ruas principais. Passou por um ou outro café, viu amigos, perdeu-se em espaços que lhe recordaram a meninice.
O jardim era então o centro do mundo. Por altura das festas, a comissão mandava ali instalar um coreto e, pela tarde, arrancavam os concertos da banda. Felicidade era então uma realidade tangível, a significar marcha militar escutada de pé, à sombra das árvores frondosas. Nas noites de Verão havia canções, discos pedidos, animação de cabina sonora. E as famílias andavam naquela ribalta às voltas. Até estontearem e irem para a cama dormir.
Em certas noites, nas costas do jardim, havia bailes selectos, função de gente seleccionada, palco no salão sobre as arcadas. As senhoras e as meninas iam de vestido comprido a arrastar pelo chão, chapéus de aba opulenta e véu; os cavalheiros, casaca, luvas, laçarote. A fumar. E os excluídos iam ver, amontoados em alas à entrada, a estrugir de ciúme.
Ácidas lembranças.
Hoje o jardim é centro de nada. Mataram-lhe a função romântica. Despiram-no do chilreio dos pássaros em bando, à tardinha. E, do aconchego das árvores, resta ironia: "Respeitar e conservar as plantas é dever de nós todos. Não maltrateis as árvores nossas amigas".
Olhados de soslaio por uma fulana gorda, nádega resplandecente a sobressair entre azulejos, agora sobrevivem às vezes por ali alguns mais-velhos à conversa, sentados nos bancos. Outros, isolados, disputam imaginárias sombras, a ver passar o tempo. A ver passar o tempo. A ver passar o tempo. E entre todos paira um fulano andrajoso, descalço, a pedir. Toca umas composições melancólicas, sopro grave expelido num engenho de boca larga. Faz recortes, maravilhas com tesoura, papel. Sem que alguém repare, lhe dê importância, esmola. O homem sorri, prossegue o seu destino e sorri. Sem ressentimentos.
In Histórias de passagem, http://reporter.canalblog.com/, Augusto Baptista
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