O casamento, o bem-estar, o espaço, tudo sacrificou por amor aos livros. Vivia para eles - mancha crescente a acastelar-se nas paredes da casa, a atapetar o soalho e a engordar em montículos, logo conglomerado denso, cada vez mais grosso, avidamente a consumir o quarto, corredor, cozinha...
E veio um tempo em que só de pé podia dormir, após rastejos entre galerias de papel, lombadas, letras, vocábulos. E sempre novas edições, prémios Nobel, jogos florais, suplementos literários, colecções, irrecusáveis desafios à pulsão bibliófila. Breve, impedido de ler, entrava em casa de pé-de-cabra, assalto árduo, corpo na disputa milimétrica entre obras empilhadas, monolítico ocupante.
Ontem forçou a porta, delongadamente. Pelo minguada fresta alcançada, logrou introduzir uma derradeira obra: delgado impresso de folha única, papel bíblia. E, expulso de casa pelo amor aos livros - objectos cruéis, o livros -, partiu em demanda de uma outra paixão, num sítio qualquer.
In O caçador de luas, pág 66, Augusto Baptista
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