Anda pela rua, aos pulos, braços no ar, as mãos em agitado abre-fecha, como se quisesse caçar estrelas, talvez pirilampos.
A cidade ignora-o. Mas tempos houve em que todos o adulavam. Isto antes de a sua sorte ter mudado, naquele jogo, naquela sinistra flor: pontapé de baliza em toque de calcanhar!
Num poético rodopio, a bola flectiu para a direita, rasteira, inocente. E quando parecia ir desfalecer a escassos metros, por acção de um intrigante contra-efeito, reanimou em inesperados ziguezagues, junto à linha lateral. Ele, ao longe, a medir o trajecto calculado.
Toda a gente apanhada de surpresa, lá no fundo a bola angulou noventa graus: exactos, mesmo no canto da bandeirola. E, cega de golo, raiou em arco. Para a baliza.
— Ahhh!
Contra a barra, exprimiu-se num trovão, a bola. E da barra ressaltou para a frente e muito por alto. Excessivamente para a frente, demasiado por alto: sobressaltou-se!
Naquela hora, mandavam as leis da Física, ele sabia. Leis avessas a sortilégios e magias. Impotente, viu a bola cruzar o campo... O estádio suspenso, viu, baliza a baliza, meu Deus, viu a bola a cruzar o campo... a romper pelo ar o reduto defensivo, a crescer, a ganhar volume de ameaça, a bola...
E ele viu, desesperadamente, apontada ao ângulo, viu, fulgor de relâmpago, viu a bola a entrar, mágica maravilha, a bola, o estádio, as pessoas, tudo a entrar, tudo a explodir em estrelinhas no fundo das malhas, loucas estrelinhas no fundo das malhas, tantas e tão inesperadamente no ar, tão ali ao alcance das mãos, a tremeluzir...
In Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 93, Augusto Baptista
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