Simples mortais, filhos do pecado da maçã, crescemos no fio da navalha, sempre com o pé na transgressão: aos mandamentos, às leis, regulamentos, códigos, regras, disposições, posturas, alvarás, circulares. Sempre na mira de decretos exarados pelo vizinho, a senhora da esquina, o zelador do jardim, o dono da mercearia.
Proibir compensa?
No centro de Luanda, corriam os anos 80, bem perto do largo da Mutamba, havia um posto de transformação de electricidade. Sem WC nas redondezas, eleita era uma parede do dito posto, a mais recatada. Para travar o excesso, alguém resolveu declarar, letra gorda, entre faíscas letais desenhadas na parede: “Proibido urinar, perigo de morte em alta tensão”.
Apesar da pena capital, a parede e o chão sobrenadavam em evidências transgressoras.
Também em Luanda, por esta altura, um recanto da cidade transbordava de lixo. Sobranceiro ao monturo, aviso: “Quem aqui deitar lixo é batido”.
Por cá, tempos idos (séc. XVI), a Câmara de Viseu resolveu impedir namoricos nos mercados e fontanários. Nestes termos, decidiu que “Nenhum homem de 14 anos para cima, sob pena de armas perdidas e dez dias de cadeia, podia ir conversar com padeiras e moças que estivessem vendendo, não tendo que comprar e que vender, ou esperar as moças que fossem para a fonte de Santa Cristina(…)”.
No concelho da Vidigueira, outra velha postura propunha-se alcançar idênticos objectivos, com os mesmos prováveis insucessos: “Proibe-se que nenhum homem de doze annos para çima acompanhe ou faça espera às mulheres que vão ao poço, ou ribeiro, que fazendo-o terão de pena quinhentos reis, salvo se fôr parente chegado, ou constando ser pessoa que vem de passage” (in Direito Administrativo das Autarquias Locais, de António Francisco de Sousa).
Proibição cortês, travo poético, encontrei em dois pequenos letreiros, anos 90, em S. Tomé e Príncipe. Num deles, o alvo era a conversa fiada no local de trabalho: “Camarada: Estamos a produzir. Se vem para conversar, não entre, volte para o seu lugar de produção. Obrigado.” No outro, proibiam-se maus modos, falta de educação: “Atenção amigo ou amiga! Se vem para solicitar alguém aqui nesta oficina, entre disciplinadamente e solicite. Aqui é um sector de trabalho. Falta de respeito, não. Sejamos educados. Obrigado.”
De regresso ao chão pátrio, impedida quase em geral é a entrada de animais nos cafés; como se nós, homens e mulheres, animais não fôssemos. Justamente aí, num café, foi onde um dia se me deparou espantosa situação.
Em zona de passagem no interior do estabelecimento, entre cadeiras, choco com uma tábua ao alto. Colado à tábua, letra gatafunhada, um papel: “Cuidado: Não mexer no pau, senão o televisor pode cair. Obrigado.” Surpreso, olho: sobre a cabeça, equilibrado pelo precário suporte de madeira, o anunciado televisor. Cai, não cai.
Analisada em detalhe, a geringonça parecia inspirada em armadilha guerrilheira. Se escapei, ao letreiro o devo!
Entre todas as proibições com que na vida me confrontei, e muitas foram, talvez o caso mais extraordinário seja o que ainda hoje perdura no mercado da Foz Velha, Porto. No murete de entrada – placa de mármore, a propor eternidade – ao nível dos olhos das criaturas de quatro patas, se lhes faz saber: “É expressamente proibida a entrada neste mercado de quaisquer animais domésticos, particularmente de canídeos”.
Basta de histórias. É hora de passar em revista o resultado do roteiro. Encontrei exemplares com asa prepotente, outros com carga ameaçadora, de mau gosto. Mas também me deparei com recados salvadores, alertas oportunos, restrições necessárias, velhas relíquias. Trago-lhe mensagens enigmáticas, surreais, bem-humoradas. E lembre-se: “Não se aproxime da macaca”.
(Augusto Baptista, in "Notícias Magazine")
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