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quarta-feira, 9 de maio de 2012


Faroeste

De uma das portas da rua nova, emerge o cowboy. Olha para um lado, para o outro, fareja. Esporeia a montada aos relinchos e, com aparato, volteios e tiros, parte a galope.

Sem tardança, alcança o fugitivo ofegante, cansado dos pés, no justo instante em que tenta esgueirar-se para o interior da loja. E, à vista de todos, sem dar tempo a que alguém acuda, o revólver do cowboy relampeja. E logo a winchester reluzente que traz a tiracolo, misericordiosa, põe fim ao pleito: um tiro na testa.

No sobrado da pacata loja de malhas e miudezas, mesmo no centro do burgo, jaz o corpo de um índio, a atrapalhar o negócio.
Passado o silêncio que sempre se abre após o tumulto, o índio ainda ensaia abrir um olho. Ressuscitar, timidamente. Para depois fugir. Retomar a contenda. Mas, exausto, acha melhor acabar por ali.
E morre.
Os contendores, juntos, rumam a casa para, no saloon familiar, tombarem uns copos: o dia está quente e, na rua, não há chafarizes. No trajecto, o heróico cowboy prende o pé no tubinho, vero arame de tropeçar, que, dissimuladamente, como convém a este tipo de armadilha, mandaram instalar. Cai, não cai, bate com a testa no cubo de pedra contíguo, desfalece. Indignado, o índio parte o nariz a um elefante estacionado.
Acaba tudo num lugar longínquo, que na cidade não há urgência pediátrica. Nem clínica veterinária para bichos de grande porte.
In A Voz de Azeméis, 2007, Augusto Baptista

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