REPASTO DE FOGO
– Uma vez por outra não virá daí mal ao mundo, dizia-lhe uma voz. Em contraponto, outra, a voz do médico, alertava para os perigos da destemperança: – Cuidado, o ácido úrico pode disparar para valores incendiários!
Nesta tensão, venceu a gula. Filado no cozido, rumou ao restaurante.
Empanturrou-se. Desbundou no chouriço, no paio, no presunto, no pernil. Repetiu a orelheira. Encharcou-se de cerveja, copos de tinto, aguardente.
Quando enfim, feito nababo, deu por finda a refeição, sentiu calores a alçarem-se pelos pés. Sensação de labaredas a treparem-lhe pelas pernas, pelo corpo. Arrotou. E quedou-se no aconchego do borralho, consolado, mãos na barriga sobre a zona do umbigo. A turrar.
Às tantas, do soalho soltou-se uma leve fumaça cinza, depois uma língua de fogo azul, nascida do charuto que largara sob a mesa. Molengão, olho fechado, com a sola do sapato domava já o incidente, justo quando se apercebe tudo em chamas lá por baixo. O ácido úrico! O ácido úrico em valores incendiários!, foi o que lhe veio à cabeça. Não cuidando de supor fogo à redea solta, nascido no andar de baixo.
Augusto Baptista
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