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quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Histórias de Coisa Nenhuma e outras Pequenas Significâncias

Finalmente o patrão mandou-o entrar. Chapéu escuro entre mãos claras, Herodes, o escriturário, postou-se em frente da secretária.
— Então que há?
— Peço imensa desculpa, senhor Tavares... Tomei a liberdade de vir lembrar que estamos no Natal (silêncio). E era para o senhor, nesta quadra tão (roda o chapéu entre dedos), fazer o favor de não se esquecer...
Olhou para o velho, condoeu-se. Lembrou-lhe alguém familiar. Mas recuperou o sangue-frio.
— Todos os anos a mesma lengalenga. Ó homem, olhe bem para mim. Acha-me com cara de menino Jesus?! Olhe bem!
Olhou. A cara redonda, as bochechas alvas, quase transparentes... A manjedoura... Fazia sentido: o senhor Tavares era o menino Jesus! E ele? Que fazia ele diante do menino? Que mantos reais lhe cobriam o corpo mirrado? Para quê a cimitarra erguida entre mãos, o gume, fulminante, a projectar-se para baixo?
In Histórias de coisa nenhuma e outras pequenas significâncias, pág. 98, Augusto Baptista

1 comentário:

  1. Pedir IMENSA desculpa. Porque é que a desculpa deve ser Imensa. Isso é uma particularidade literária muito peculiar da língua portuguesa, ou será que é aquela danação típica da subserviencia tão generalisada em Portugal?
    E o Tavares não é mesmo o menino Jesus.

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