Ode ao gato
Canto a insolência
dos teus passos
a indiferença
com que olhas os poderosos
os avalias
num desdém
a roçar a impertinência.
Canto os teus dengosos bate-papos
com o sol
este sol do sul
luminoso e quente
e me pergunto
de que falarão vocês
enrolados
um no outro assim
que assuntos calorosos
vos retêm tão entretidos
pela tarde adiante.
Canto a eloquência
do teu discurso de silêncio
os enunciados
libertários que proclamas
no leve roçagar
do teu corpo
carregado de cio
entre as pernas
das velhas freguesas
da mercearia.
Canto o teu doce enleio
entre malmequeres
no campo
pequenos sóis que alegram
o cabelo das raparigas
e tu
pequeno príncipe
das trevas
tu que tudo vês
e sabes
de olhos fechados
libidinoso
a ronronar ausente
no colo delas.
Canto a partícula cósmica
que um dia foste
e fascinada
por esta bola
azul às voltas
de longínquas paragens
saltaste
salto timorato
de quem não mede
tempo nem distâncias
não avalia as consequências
astronómicas
dos impulsos instintivos
um pulo de cortar a respiração
sete vezes
e
vertigem
de estrela cadente
esse grão de pó
ou ainda menos
que eras tu então
desde os confins
do espaço
sideral
riscando o céu
em fogo
i
n
f
i
n
i
t
a
m
e
n
t
e
te fizeste
forma
animal
aqui
caindo
de pé!
De pé
como as árvores
que não tremem
diante do machado inclemente
e se inquietam na suave
brisa matinal.
Augusto Baptista